TEMPO DE RECORDAÇÕES

Precisamente quando a Liturgia da Palavra nos dizia pelo Eclesiastes: “Tempo de nascer e tempo de morrer” (3, 2), soube do falecimento de Dom Celso José Pinto da Silva, Arcebispo Emérito de Teresina, na madrugada de 28 de setembro, com 84 anos. Recorda-se a vida. Recorda-se a morte. Há muito coração no interior das recordações.

Padre Celso foi o primeiro a conversar comigo naqueles encontros preparatórios para entrar no Seminário Arquidiocesano de São José do Rio de Janeiro. Causou-me impressão forte e positiva, ainda adolescente. O diálogo foi franco. As perguntas diretas. Percebia que gravava minhas respostas. Por que quer ser padre? –Para salvar almas. Qual o mandamento mais difícil para você? –Amar a Deus sobre todas as coisas. Por que? –Porque é muito difícil amar a Deus como merece e acima de tudo. Indagou sobre minha família, saúde e estilo de vida.

Sendo integrado no mesmo presbitério onde Padre Celso era um dos Vigários Episcopais, percebia a qualidade do seu ministério sacerdotal de homem culto, sábio e brilhante, capaz de sutil ironia e até de crítica audaciosa. Era um homem livre. Não parecia almejar cargos.

Rico foi o retiro que pregou para o Clero. Recordo que valorizava o ofertório do padre unido ao do povo na apresentação das suas ofertas. Tudo posto e elevado na patena erguida pelas mãos sacerdotais. Mais: Pedro sabia que amava o Mestre; João sabia que era amado. Ambos os movimentos do amor são necessários na vida sacerdotal. Que leveza espiritual!

Eleito e ordenado Bispo-Auxiliar do Rio de Janeiro teve participação brilhante na construção de uma pastoral orgânica. Certa vez, convidou-me, sendo eu ainda padre novo, a dar assistência espiritual aos universitários do Fundão onde havia uma Capela praticamente abandonada. Que aventura celebrar no final da tarde de sábado com 15 jovens católicos em um ambiente secularizado e indiferente. Nós ali estávamos rezando enquanto os demais, na República dos Estudantes, se divertiam, dedilhando o violão e cantando aos berros.  Era opção de um grupo de fé resistente. Ao final da Eucaristia, estudávamos o recente Documento de Puebla. Voltava cansado e feliz.

Vim encontra-lo nas Assembleias da CNBB. Cumprimentávamo-nos. Quando subia à Tribuna falava com veemência. Um bispo me dissera: -É sempre assim. Uma vez dissera da dificuldade do diálogo ecumênico mesmo com tantos esforços feitos. Não encontrava a ressonância desejada que outros bispos declaravam experimentar.

Idoso e enfraquecido, festejou seus 80 anos, na Paróquia Nossa Senhora da Conceição e São José, no Engenho de Dentro, RJ, com alguns amigos. Concelebramos. Emprestei-lhe o solidéu. Na homilia, comparou sua vida octogenária à subida da montanha. Por cima dos anos, podia alargar o horizonte e contemplar à distância fatos e feitos. Poético. Estava tranquilo e otimista.

No dia seguinte do início de meu ministério em Iguatu, telefonou-me. –Que bom que você saiu do Rio, melhor que veio para o Nordeste. Desligou sem que eu pudesse dizer algo. Pensei comigo: coisas do Celso. No entanto, dissera tudo em poucas palavras. Alegrou-me com a surpresa do telefonema.

Lembro que, na simbologia do Livro do Apocalipse, escrever é importante para recordar e transmitir. Diz o texto: “Escreve: felizes os mortos, os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (14, 13). Assim sendo, Deus há de se lembrar de seu bom servidor ao despertá-lo do sono da morte na visão beatífica.

Quanto a mim, escrevo para transmitir aos amigos e admiradores de Dom Celso a importância de recordarem-no, sobretudo, na memória do coração que agradece a Deus o dom da vida dele.

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