RECORDANDO PAULO VI

Em 6 de agosto de 1978, morria com 80 anos Paulo VI, o Papa do Concílio, do Diálogo e de Encíclicas e Exortações de compromisso social. Era domingo e dia da Transfiguração do Senhor, belo para morrer. Quem compreende o sentido bíblico e litúrgico da festa, entende.

Em 1975, escrevera a Exortação sobre a Alegria Cristã. Deu-lhe um título paulino, não só exortativo, mas estimulante: “Gaudete in Domino” (Alegrai-vos no Senhor). A Igreja Católica celebrava o Ano Santo. Brinda-a com uma reflexão maciça sobre a alegria cristã, enquanto fruto do Espírito Santo e da Páscoa. Analisa-a a partir da História da Salvação, desde o Antigo Testamento até o Novo, passando pela experiência de Jesus de Nazaré e dos santos da Igreja.

O último dia do Papa é testemunhado por Monsenhor Pasquale Macchi, seu secretário particular: “Uma das recordações mais vivas das suas últimas horas para mim é certamente a sua imagem fixada no instante que recebia, das minhas mãos, a Santíssima Eucaristia, sob as duas espécies. (…). Tinha passado uma noite difícil e pela manhã não foi capaz de celebrar a Santa Missa. (…). E então recordo que no momento da Comunhão ele não conseguia frear a comoção, o pranto”.

As avaliações, embora sejam pessoais, objetivam um sentido dado ao derradeiro, isto é, à simples conclusão da vida de um pontífice. “Aquela tarde da morte não chorou. Foi forte. Recolheu todas as suas energias restantes para o encontro consciente com o Senhor. Depois de ter recebido, com solicitude e com plena participação, o óleo dos enfermos, insurgiu-lhe como de improviso, com toda a veemência, o mal que o devia fulminar. Com um leve sorriso sobre os lábios, fez um simples gesto com a mão com o qual, quis conter todo seu sentimento de gratidão, de saudação, de despedida. (…). “Ele não se turbou, se recolheu em oração, quase não se dando conta dos cuidados que precipitosamente lhe vinham prestar”. (…). “Paulo VI não disse uma palavra e, creio, tenha querido assim. Aquilo que já tinha de ser dito já fora dito e escrito…”. Por estar acamado, a meditação preparada sobre a Transfiguração do Senhor não fora pronunciada durante a recitação do Angelus. Ali, já começara seu silêncio… no último domingo.

 À tarde, “começou então com uma sequência ritmada de Pater noster, Ave Maria, Anima Christi, Salve Regina, Magnificat e quando as forças começaram a diminuir, o ritmo se fixou no Pater noster. E o Pater noster foi certamente a sua última palavra, oração e testamento e ao mesmo tempo mensagem”. Portanto, Paulo VI morreu conversando em latim com o Pai na oração do Senhor. Faleceu como viveu em atitude orante.

 Um novo Papa se transfigurará diante de nós. Seu perfil, desfigurado por certa crítica mordaz e superficial, ganhará nova luz de percepção quando for elevado à glória dos altares. Melhor conheceremos o homem virtuoso, cordial, reto de intenções e atitudes. O homem santo. Aliás, não deve ser fácil passar pelo crivo dos processos de beatificação e de canonização. Ele passou.  

A propósito, Leonardo Sapienza recentemente escreveu, no L´Osservatore Romano, pequeno artigo com o título de História mínima: “Contrariamente ao clichê que uma certa imprensa lhe atribuíra, de homem frio, distante, “hamlético”, quem o conhecia em privado podia testemunhar a sua afabilidade, delicadeza de espírito, e até de sutil humorismo e auto ironia”.

O artigo visa a chamar a atenção para o Diário dos cerimoniários pontifícios, especialmente os de Monsenhor Virgilio Noè: “Paulo VI celebrava a liturgia com o mesmo entusiasmo e frequência de Gregório Magno”. “Foi o principal protagonista da renovação litúrgica”. “Apoiara a reforma litúrgica, defendendo-a contra progressistas e conservadores”.

Quem aprecia a “criatividade selvagem”, precisa reencontrar Jesus, transfigurado na Liturgia que Ele mesmo preside: Sacerdote que se entrega, Mestre que ensina, Sacramento que santifica.  O bem-aventurado Paulo VI nos ajude a recuperar a interioridade e a transcendência litúrgicas.

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