NOVO OLHAR DA CRUZ

 

Na quarta semana da Quaresma, somos introduzidos por Jesus à contemplação da sua cruz, através da conversa com Nicodemos (Jo 3, 14-21). Ele a revela como sinal de vida eterna, comparando-a à serpente levantada por Moisés no deserto (v. 14).

Dialogando, Jesus transfigura sua Cruz, exaltando-a. Não mais humilhação e morte, mas glorificação e vida. Por isso, é necessária. Para tanto, não podia ser melhor a comparação feita com a praga mortal das serpentes abrasadoras, cujo veneno foi vencido pelo antídoto do olhar.

Com efeito, no episódio comparado, Moisés “fez uma serpente de bronze e a colocou em uma haste; se alguém era mordido por uma serpente, contemplava a serpente de bronze e vivia” (Nm 21,9). No término da comparação, o sentido é óbvio: o novo olhar da cruz, pela fé, é portador da vida plena. O paradoxo é incisivo: da morte jorra a vida. O olhar, porém, é o renovado pela fé.

O novo olhar é para cruz, metáfora do Crucificado. Ele, sim, é a vida. Seu corpo em cruz é o sinal que dá a vida eterna (v. 15). Entende-se, pois, por que o envio do Filho ao mundo é a expressão do amor de Deus. Quem nele acreditar não morre, mas já tem a vida eterna (v. 16).

Por consequência, a cruz é certeza de salvação. Logo, é também metáfora do Salvador.  Enquanto tal, não julga nem condena. Apenas cura ou salva pela condição da fé. Temos, pois, ao fixarmos a Cruz, o triunfo do amor do Crucificado. Crer é, então, bem mais a resposta do amor que se doa do que a inteligência da fé na revelação. Crer é saber-se amado.  É, por isso, corresponder ao amor do Amado. É dar-lhe o próprio coração na gratuidade do dom de si.

Jesus disse: “Eu não vim para julgar o mundo” (12, 47). Entretanto, admite um julgamento: “a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas…” (v. 19). Trata-se de referência à rejeição que sofreria e da dificuldade de crer ou da indiferença ao amor e ao compromisso com a verdade. Estabelecerá o juízo: “A palavra que proferi é que o julgará no último dia” (12, 48).

Aborda a problemática das decisões que incluem opções éticas, fortes e definidas, aqui e agora: “os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal odeia à luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (19-21).

A simbologia e a carga existencial impactam. Provocam nosso olhar para a Cruz que ilumina nossa contemplação. Estimulam à revisão de nossos atos e atitudes a fim de que nos aproximemos da luz emanada do Crucificado que é vida, amor, verdade.

O encontro com Nicodemos sugere-nos algo semelhante. Ele “mestre em Israel” (v. 9), na calada da noite, veio se encontrar com Jesus (v. 3). Necessitados de aprendizado de vida conversemos com Jesus. Podemos ser seus aprendizes nas noites do nosso tempo, nas sombras de nossas percepções, nas trevas do mundo. Um pouco de sua luz abre a visão de nossos sentidos interiores, dissipados, distraídos, desinteressados ou desestimulados.

Nicodemos, ao seu modo, representa todos aqueles que buscam e estão a caminho. Ele não conversa com ares de doutor ou de sábio. Ainda não é discípulo; porém, reconhece o Rabi e diz-lhe: vens “da parte de Deus…, pois ninguém pode fazer os sinais…, se Deus não estiver com …” (v. 2). Com sua abertura sincera, pergunta e ouve. Jesus aprecia. Responde-lhe as indagações. Quando retruca: “porém não acolheis o nosso testemunho” (v. 11), parece situá-lo ainda na condição dos incrédulos. Muitos homens e mulheres se encontram em situação existencial semelhante. A Quaresma nada lhes diz.  Dela se aproximam, indiretamente, pelo tema da Campanha da Fraternidade que nos faz olhar para a cruz da violência na sociedade brasileira.

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