DE RAMOS À PAIXÃO

Com o evangelista Marcos, iniciamos a semana santa. A narrativa da entrada de Jesus em Jerusalém é o reconhecimento público de sua realeza.  Ele mesmo escolhe o simbolismo do jumentinho que nunca tenha sido montado (Mc 11,2). Remete ao passado e projeta ao futuro próximo – profecia em ato- se nos recordarmos de Zacarias: “Exulta muito, filha de Sião, solta gritos de alegria, filha de Jerusalém! Eis que vem o teu rei a ti. Ele é justo e vitorioso; é humilde e cavalga um jumentinho filho de jumenta! ” (Zc 9,9). É vontade de Jesus apresentar-se como messias-rei-humilde e manso, portador de paz na cidade messiânica. Acolhe os gritos de louvor.

Colocaram sobre o jumento seus mantos. Muitos os estenderam pelo caminho. Outros espalharam ramos. A cena nos remete também ao passado, se nos recordarmos da aclamação de Jeú, rei: “todos tomaram seus mantos e os estenderam debaixo de seus pés…” (2 Rs 9,13). No entanto, reforça no presente o reconhecimento popular do messianismo régio de Jesus.

Mais explícitos são os gritos de alegria e de aclamação: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai, Davi! Hosana no mais alto dos céus! ” (v. 9-10). Em Jesus é revitalizada a esperança messiânica ligada à dinastia davídica.

Entretanto, a exultação espontânea contrasta com a da rejeição até a morte de cruz, gritaria orquestrada e manipulada. De fato, diante de Pilatos, os sumos sacerdotes instigaram a multidão a gritar: Crucifica-o! Frente à pergunta sobre o mal que fizera, gritam com mais força: Crucifica-o! (15, 12-14). Para Jesus, pacífico, o grito é de condenação à morte de cruz. Para Barrabás, subversivo, o grito é de livramento. Duelam, deste modo, a honra e a desonra, a verdade e a mentira, a inocência e a culpa, o fato e a farsa, a lei e a injustiça, a piedade e a iniquidade; enfim, a santidade e a vilania. Entramos na trama pecaminosa e diabólica que arrastou à Paixão do Homem em cuja morte só o oficial constatou ser a do “filho de Deus” (15, 19).

A hora da escuridão é datada: do meio-dia às três da tarde (15, 33). No horário do sol, houve trevas em toda a terra. Notícia rica de expressividade dramática e de simbolismo trágico. Antecipa o fato definitivo ou escatológico. Leva-nos a revisitar a antiga profecia para compreender o acontecimento: “Naquele dia, diz o Senhor Deus, eu farei o sol declinar em pleno meio-dia e derramarei trevas sobre toda a terra num dia de luz” (Am 8,9). Juízo de Deus!

Precisamente às três da tarde, em meio às trevas exteriores, Jesus gritou com voz forte: “Meu Deus, meu Deus por que me abandonastes? ” (v.34;  Sl 22 (21). Morre, salmodiando a súplica, semelhante à do justo que grita, de dia e de noite, esperançoso e confiante. É o pedido de socorro brotando da alma. Não se trata, pois, de volume da voz, mas de intensidade no gemido suplicante. O último suspiro só poderia ser um “forte grito” (v. 37), isto é, intensíssimo, dirigido mais a nós do que a Deus.  Seu som se espalha no universo em trevas… e é possível sintonizá-lo.

Perguntas que exigem respostas pessoais: a morte de Jesus me fala e me interpela hoje? Mesmo emudecido, questiona-nos: “tendes ouvidos e não ouvis “?  (8, 18). Para quem responde sim, sabe que Ele oferece a solidariedade divina no abismo de qualquer dor extrema, inclusive da depressão talvez suicida, da experiência do abandono e da ausência de Deus, da perda do sentido de ser e existir, do sofrimento inexplicável e sem resposta dos inocentes, da prosperidade e do sucesso dos desonestos. Ele quis assumir tudo e bebeu o cálice (14, 36).  

 Recitemos com Jesus o salmo na íntegra e fixemos a atenção quando diz: “Ele não desdenhou a pobreza do pobre, nem lhe ocultou sua face, mas ouviu-o, quando ele gritou” (Sl 20 (21), 25). Com efeito, abandonado, nu e pobre, Jesus “foi atendido” (Hb 5, 7).  Porém, na madrugada da Páscoa.

Deixe um comentário