ALEGRE RECONHECIMENTO

Oito dias após a aparição do Ressuscitado aos discípulos, Tomé se encontra presente (Jo 20, 26). Jesus entrou com as portas fechadas, pôs-se no meio deles e lhes disse: Paz! (v. 27). É o mesmo voto formulado duas vezes antes (Jo 20, 19. 21). Embora seja saudação comum entre os judeus, na intenção do Ressuscitado é a comunicação do conteúdo salvífico do qual Ele é o único portador: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá. Não se perturbe nem se intimide vosso coração” (14, 27). Trata-se, pois da Sua paz, fruto do amor sacrifical, comprovado nas agruras da violência pelas quais passou e superou. Traz a justiça do perdão na misericórdia oposta à rancorosa dos justiceiros, feita de retaliação ou de vingança.

A recepção da paz pelos discípulos coincide com o reconhecimento do Senhor Ressuscitado na sua nova condição e se dá na fé. Por isso, “mostra-lhes as mãos e o lado” (v. 20). São as marcas de sua identidade, reconhecida na situação de sua nova condição: “chagas gloriosas” (na simbologia do Círio Pascal). O reconhecimento não é baseado na visão ou toque, mas na nova percepção da fé. Necessário é o novo modo de ver e de ser tocado. Eles “se alegraram por verem o Senhor” (v. 20), reconhecendo o senhorio do Ressuscitado. Igualmente, é nova a alegria à semelhante da novidade da paz que, ambas, somente Ele dá. Alegria transbordante! (1 Pd 4, 13).

O reconhecimento supõe o itinerário eclesial-comunitário para ser pessoal. De fato, é preciso frisar que os discípulos estavam reunidos. Ao reconhecerem o Senhor, também unidos a Ele e entre si reconheceram-se. Superaram a dispersão anunciada, a fuga vergonhosa, o medo da separação: “Ferirei o Pastor e as ovelhas se dispersarão” (cf. Mt 26, 31; Zc 13,7).

Unidos na condição da mesma fé eclesial, os discípulos dizem a Tomé: “Vimos o Senhor” (v. 25). Provavelmente, devido à ausência anterior, ele duvida. Assim sendo, não possuía ainda a condição de crer, própria do reconhecimento na comunidade da fé apostólica. Exige ver e exige tocar (v. 25), tanto no sentido físico da palavra quanto no sentido do si mesmo individual.

 Jesus entrou no meio deles pela segunda vez, reunidos, convém relembrar. Foi ao encontro de Tomé, individualmente. Inverteu-lhe a ordem dos sentidos e da expectativa. Ao invés de deixar-se ver para ser tocado, diz-lhe simplesmente o contrário: toca e vê! A precedência dada ao ato de tocar está em função do ato de ver, mas se trata da luz da fé, superior a simples visão física. Com efeito, a fé teologal está além dos sentidos exteriores. Bem soube o discípulo amado que, vendo apenas o sepulcro vazio, acreditou (20, 8), isto é, deixou-se levar além, no salto da fé.

A beleza do reconhecimento de Tomé ocorre quando, na palavra de Jesus, pessoalmente, Ele diz-lhe: acredita! (v. 27). Somente ao ver na fé é que reconheceria. Logo, não precisaria mais tocar. De fato, imediatamente reconhece: “Meu Senhor e meu Deus! ” (v. 28). Tal percepção é o novo sentido do conhecimento cujo alcance transcende ou vai além dos limites da simples experiência. O teólogo jesuíta, Karl Rahner, diria que ele foi direto ao “cerne e centro da fé” pela “evidência do incompreensível”.

Jesus chama de felizes os que não viram e creram (v. 29). A fé no Ressuscitado é nossa bem-aventurança. Realiza em nós a profecia: “a vossa tristeza se transformará em alegria” (16, 20), já desde este mundo e seus pesares. Igualmente nos surpreendemos no encontro à distância com várias gerações de cristãos. Juntos partilhamos a mesma alegria de crer, de amar, de esperar. É a alegria participada na misteriosa comunhão dos santos e santas que nos precederam na fé.

Assim sendo, nosso reconhecimento eclesial ultrapassa o físico, o tempo e o espaço. Atualiza-se pelo testemunho e a comunhão com os apóstolos: “o que vimos e ouvimos vos anunciamos para que estejais também em comunhão conosco” (1 Jo 1, 3), ainda hoje, pelo anúncio da Palavra e pelas celebrações sacramentais, especialmente, pelo ministério da misericórdia e do perdão (v. 23) que o Ressuscitado entregou a sua Igreja para que ela fosse o lugar de reconciliação e paz.

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