REAVIVAR-SE NA PÁSCOA

O europeu vive o tempo pascal como tempo primaveril. É favorecido pela mediação da natureza. As flores da primavera enfeitam a paisagem. Apontam para o ressurgimento dos frutos da cooperação entre a natureza e o trabalho do homem. Assim, a primavera ajuda a compreender o sentido renovador da Páscoa: “as flores florescem na terra, o tempo da poda vem vindo, e o canto da rola está-se ouvindo em nosso campo” (Ct 2, 12).

Na Páscoa judaica a refeição ritual comemora a libertação da escravidão do Egito. Come-se a carne assada ao fogo do cordeiro ou do cabrito com pães ázimos e com ervas amargas: “Comereis às pressas, pois é a Páscoa, isto é, a passagem do Senhor!” (Ex 12, 11). O memorial é perpétuo para renovar o compromisso com a aliança e tornar presente a origem fundadora, conforme a determinação: “este dia será para vós uma festa memorável em honra do Senhor, que haveis de celebrar por todas as gerações” (Ex 12, 14).

Na Páscoa cristã, originada na última ceia pascal de Jesus com os Doze, o sentido é por Ele modificado. Ele se põe no centro da celebração. O memorial é do seu sacrifício para nossa redenção, pois o pão partido é seu corpo doado e o vinho bebido é o sangue da nova aliança (1 Cor 11, 24-25). O memorial é perpétuo e o significado também: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor até que Ele venha” (1 Cor 11, 26). Fundamenta o presente no passado, atualizando-o, e o projeta ao futuro. A participação eucarística é comunhão que renova o senso de pertença, de comprometimento e missão: “Aquele que de mim se alimenta viverá por mim” (Jo 6, 57).

Os frutos da Páscoa são celebrados e vividos desde nosso batismo. Por isso, Paulo afirma: “pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, nós levemos uma vida nova” (Rm 6, 4). Cada ano durante a Vigília Pascal nós renovamos as promessas do nosso batismo para vivermos a graça da filiação e retomarmos nosso combate contra o pecado, segundo a admoestação: “considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Jesus Cristo” (Rm 6, 11).

Paulo admoesta: ”Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Cl 3, 1-2). Vivendo em um mundo consumista, hedonista e secularizado, renovamos o desejo do céu, a esperança da Páscoa eterna na Jerusalém do alto (Ap 21).

O mundo precisa muito do testemunho do nosso amor. Para tanto, o tempo pascal favorece a purificação da caridade cristã: paciente, prestativa, justa, humilde, gratuita ou desinteressada ( 1 Cor 13, 4-7). Não é esmola, como em geral se diz. É doar-se por inteiro e em profundidade. Por isso, o apóstolo ensina: “Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, se não tivesse caridade, isso nada me adiantaria” (v. 3). Quer dizer: a caridade aponta para uma realidade sublime e transcendente, que é a experiência humana da gratuidade divina, em Cristo Jesus: “De graça recebestes, de graça dai”. (Mt 10,8)

O amor possui uma dimensão pascal transformadora ou renovadora: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Aquele que não ama permanece na morte. Todo aquele que odeia o seu irmão é homicida; e sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele. Nisto conhecemos o Amor; ele deu a sua vida por nós. E nós também devemos dar a nossa vida pelos irmãos” (1 Jo 3, 14-16).

Exige dose de heroísmo investir na força transformadora do amor e quebrar resistências, quando ao nosso redor cresce a cultura da morte e da “banalização do mal”. Jesus nos advertiu: “pelo crescimento da iniquidade, o amor de muitos esfriará” (Mt 24, 12). Porém, contra o ceticismo e o desânimo Ele propõe o antídoto: perseverar no bem (cf. v. 13).

Deixe um comentário