AMOR SEM MEDIDA

Os ensinamentos de Jesus, na continuidade das bem-aventuranças, só podem ser compreendidos e vividos em conformidade com sua vida. Supõe fé e discipulado ou seguimento, próprios da acolhida na prática: “vós que me escutais, eu digo” (Lc 6, 27).

Nas primeiras comunidades de cristãos, caluniados e perseguidos até a morte, as sentenças de Jesus ressoavam como apelo à misericórdia: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, rezai por aqueles que vos caluniam” (v. 28).  O mártir só seria testemunha se fosse imitador. Estêvão, o primeiro, morrera martirizado enquanto orava pelos apedrejadores e, pedia a Jesus, perdão por eles. Morreu, imitando o Mestre. Não basta, pois, ser assassinado, é preciso ser testemunha de Cristo.

A progressão no amor, cada vez mais misericordioso e gratuito, ocorre na dinâmica inversa do desamor de quem esbofeteia a face do discípulo, tira-lhe o manto e seus pertences. A progressão no amor   muito exigente, só acontece quando se exercita o discipulado de oferecer o outro lado da face, deixar levar também o manto, não pedir a devolução do que foi tirado. Toca de cheio o amor próprio e a dignidade. Por isso, não é fácil. Supõe o esforço pessoal e até heroico de ser pacífico e promotor da paz.

A regra de ouro para a promoção da paz é positiva e até dinâmica: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles” (v. 31). Por isso, os cristãos outrora caluniados, perseguidos e mortos só revidavam com o bem de suas orações e com boas e serenas atitudes. Pagavam o mal com o bem. É a imagem moral do mártir cristão que a Igreja guarda e venera.

Só no seguimento de Cristo e na experiência de ser amado e perdoado, entende-se o amor sem medida que o Mestre ensina. O contrário é o amor calculado: ama somente quem ama, faz o bem somente aos que fazem o bem, empresta só para receber de volta a mesma quantia (v. 32-34). A medida sem medida, ao contrário é pura gratuidade: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca” (v. 35).

A motivação maior é dada: “Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso” (v. 36). Supõe a atuação e a experiência da graça divina cuja vivência proporcionará grande recompensa e o reconhecimento de ser chamado Filho do Altíssimo (v. 35), imitador da paternidade amorosa de Deus.

Só o amor sem cálculo permite a vivência da sentença: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai, e vos será dado…porque com a mesma medida com que medirdes sereis medidos” (v. 37-38).

O modo de Jesus dizer e agir parece ser algo inalcançável ou só atingível por poucos agraciados. No entanto, é possível educar para a paz, o perdão, a gratuidade, o amor e o respeito à dignidade da pessoa e o cuidado pelo bem comum. Os ensinamentos do Mestre apontam para esta educação ao fazer uma crítica radical à violência, vencendo-a na dolorosa Paixão e morte.  

Hoje como ontem existe a proliferação da violência. Como quebrar o elo desta corrente? Há iniciativas, mas não há regras conclusivas. Existem, no entanto, decisões possíveis, além da educação para a paz e o bem comum. São possíveis as decisões em Cristo de amar por primeiro, de aceitar ser vítima ao invés de matador, de agir segundo a consciência reta. Quem se dispõe?

Não é suficiente apontar agentes externos, tais como a sociedade, a desigualdade, as estruturas, os sistemas, a hereditariedade, o inconsciente coletivo e até a religião. Não é toda a verdade. A violência também surge de dentro de si. De mim e de ti. É o que sai do homem, disse Jesus (cf. Mt 15,19). Por isso, a paz é possível, se nosso interior quebrar a lógica perversa da cadeia da retaliação, da vingança, do rancor que alimentam atitudes odiosas e gestos violentos e cruéis.

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