Meditando a Quaresma

Iniciamos nosso itinerário de 40 dias de preparação para a Páscoa com a quarta-feira de jejum e de abstinência de carne, inclinando nossa cabeça para receber as cinzas, símbolo bíblico da humilhação do pecador arrependido e reabilitável.

Jejum, abstinência e cinzas são sinais externos da conversão interior. Haja, pois, coerência entre os ritos e a intenção. Respondamos, de fato, ao apelo de Deus, formulado pela boca do profeta Joel: “Voltai-vos para mim com todo vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração e não as vestes” (Jl 2, 12s).

Jesus, no sermão da montanha, aprova a esmola, a oração e o jejum, quando autenticados pela gratuidade do coração (Mt 6, 2-6.16-18). A disposição secreta, Deus vê e recompensa. Vê a gratuidade da esmola oculta. Vê a gratuidade da oração no quarto secreto da alma. Vê a gratuidade do jejum, também ocultado, porém pelo disfarce da alegria. Logo, o mérito não está na observância legal do rito. Está na resposta gratuita do coração generoso: “De graça recebestes, dai de graça” (Mt 10,8). Somos, pois, na quaresma estimulados à religiosidade verdadeira, aquela que Deus vê, isto é, premia.

É precioso saber articular os três atos propostos por Jesus: oração (elevação de si), esmola (doação de si), jejum (superação de si). Pelo diálogo orante, nós expressamos o amor a Deus, acompanhado com a mortificação do jejum ou da abstinência do supérfluo para doá-lo aos carentes, não mais como esmola, mas como dom de nós mesmos, pois, “ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, se não tivesse caridade, nada disso me adiantaria” (1 Cor 13,3). A gratuidade é, então, o elo dos três. Dá-lhes autenticidade, pois quem os pratica não buscam reconhecimento humano e social, qualquer prestígio eclesial ou vantagem terrena.

Ao tempo litúrgico da quaresma se aplicam adequadamente as afirmações do apóstolo Paulo sobre o “momento favorável” de reconciliar-se com Deus, em nome de Cristo (2 Cor 6, 2). Também se adequa a exortação dele: “não recebais a graça de Deus em vão” (2 Cor 6, 1). Portanto, vive-se a liturgia não apenas como tempo cronológico que antecede e sucede, mas como acontecimento sacramental da atuação de Cristo, no Espírito, no hoje de nossa história. Agora, o Senhor nos renova e purifica. Agora, transforma sua Igreja e cada um nós, disponíveis à graça. Com Ele e nele, celebramos este tempo salutar; por Ele, acolhemos a ação reconciliadora do Pai no Espírito Santo.

Jesus nos acompanha em nosso itinerário quaresmal. Entra no nosso combate contra as tentações e seduções. Retoma conosco a luta do bem contra o mal, a favor do amor solidário e em prol da vida plena. Já na primeira semana, a partir do primeiro domingo da quaresma, incita-nos a combater e, sobretudo, a vencer com a Palavra, que é de Deus.

Somos impelidos a deixar-nos conduzir pelo Espírito com o Mestre ao deserto. Consequentemente, deserto é realidade simbólica. É tempo e lugar, quando e onde as tentações ou provações são vencidas e as crises são superadas até que retornem… É, sobretudo, convite à retirada para orar e encontrar-se com a sublimidade do Mistério. É desejo de preencher-se do Infinito. É solidão bem acompanhada.

Qual o ponto de partida do itinerário quaresmal? A resposta é muito pessoal e deve ser assim. Embora o êxodo seja a marcha de um povo, supõe a decisão de quem quer prosseguir com os demais. Enfrente, pois, a caminhada quaresmal como indivíduo, inserido (a) em um povo a caminho. Sê aberto (a) ao horizonte que se amplia, mesmo que seja ainda ou tão-somente um simples recomeço.

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