CAMPO DE PATU

Concentrada à frente da Paróquia Nossa Senhora das Dores, a partir das 5 horas a multidão seguirá, orando e cantando até Patu. O itinerário percorrerá quatro quilômetros. Após a chegada, será celebrada a Eucaristia, festiva e dominical da Páscoa do Senhor. Trata-se da 36ª Caminhada da Seca, em louvor às Almas da Barragem, em Senador Pompeu, no dia 11 de novembro.

A seca de 1932 à qual remete a Caminhada é registrada por Aílton de Farias: “Milhares de pessoas pereceram de fome, de sede e de doenças, tendo em vista à pouca assistência do governo”.  …”trabalhadores, chamados pejorativamente de “cassacos” (gambás), laboravam de sol a sol, sempre sob o olhar repressor de feitores. Não recebiam salários em moeda, mas em gêneros alimentícios, os quais, na maioria das vezes, eram desviados pelos encarregados da distribuição…” (História do Ceará, Tropical Editora, 1997, p. 186).

“…as autoridades construíram acampamentos, verdadeiros campos de concentração, cercados de arame farpado e com escolta para evitar fugas de flagelados –estes, na visão das elites, “levavam doenças, desordens e maus hábitos para onde iam” ” (Idem).

Não existiu somente o “curral humano”, chamado pela população de “curral do governo”, em Patu, mas também em outras regiões, no Crato, Cariús, Ipu, Quixeramobim e no bairro de Pirambu, em Fortaleza. (Idem).  Além da crise climática ou hídrica, houve a má política, o descaso pela vida humana, a inabilidade governamental e até requintes de crueldade.  

A caminhada é um memorial. Trata-se de memória viva, pois nunca esquecida por parte da população. Visitava o Campo Santo durante o culto às almas em Finados. Contudo, quando o Padre Albino Donatti, em 1982, iniciou a prática da Caminhada, introduziu, sem esvaziar o sentido original, a dimensão sócio-política e libertadora da fé, tão necessária em nosso contexto vital. Os párocos sucessores a continuaram.

A Pastoral Social, as CEBs, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos e outras entidades afins participam do evento, unindo fé e promoção da vida. De fato, o episódio precisa ser celebrado, anualmente, para homenagear os que morreram de fome, de sede e de cólera, a fim de que nunca mais se repita e até se descortine para os habitantes do semiárido do Ceará um futuro promissor.

Evidentemente, o tema da água é recorrente e instigante. A temática motivadora só podia ser: por ÁGUA, caminho da vida, LIBERDADE e bem viver.

A Liturgia da Palavra do Domingo apresentará aos caminhantes a figura da viúva, símbolo da mulher pobre na Bíblia. O profeta Elias pede água à viúva de Sarepta. Pede-lhe também o pão. Ela possuía a última porção de farinha para ela e o filho. Porém, reparte com o profeta. Depois, esperaria a morte. Entretanto, foi recompensada com a vida, pela farinha que não acabou e o óleo que não diminuiu até que viessem as chuvas (1 Rs 17,10-16).

Quanto à pobre viúva que depositou no cofre das esmolas do templo apenas duas pequenas moedas sem muito valor, Jesus observou-a. Elogiou sua generosidade ao oferecer tudo o que possuía (Mc 12, 42-44). A solidariedade da primeira e a magnanimidade e gratuidade da segunda contrastam com a vilania e a falta de solidariedade dos que mantiveram cativos até a morte os flagelados, nossos compatriotas.

 A Caminhada da Seca até Patu desperte a pesquisa interdisciplinar no campo temporal (história) e no campo espacial (arqueologia). A história se enriqueceria com as escavações dos sítios arqueológicos e estes se aproveitariam bastante das indicações históricas. Quanto à persistência da Caminhada, já no 36º ano consecutivo, orienta-nos para outras direções. Faz-nos olhar mais os vivos que os mortos. Estes, todavia, também nos observam e nos despertam.

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