A PROPÓSITO DA SABEDORIA

Neste mês da Bíblia –setembro 2018- o Povo de Deus, no Brasil, está sendo motivado a ler o Livro da Sabedoria, assim chamado pela tradição latina, enquanto a Bíblia Grega o intitula: “Sabedoria de Salomão”. No entanto, foi escrito muito depois, provavelmente à última metade do século I, antes de Cristo. Assim sendo, é o último dos livros do Antigo Testamento.

 O escritor, um judeu anônimo, residente em Alexandria, atribui a Salomão, rei sábio e justo, a autoria, servindo-se deste artifício literário, utilizado pelos antigos. Com tal procedimento, visa ao elogio da sabedoria, unindo-a à justiça. De fato, a obra se inicia com a exortação: “Amai a justiça, vós que governais a terra…” (1, 1); “Quem fala de modo iníquo não passa despercebido e a justiça acusadora não deixará de encontra-lo” (v. 8). Quer dizer: o governante sábio é conhecedor e praticante da justiça. Assemelha-se a Salomão.

O Livro visa a fortalecer a fé dos judeus de Alexandria e estimulá-los. Conviviam no mundo helênico entre ímpios (pagãos), com a variedade de religiões e o confronto de sistemas filosóficos, com a sabedoria como salvação ou autoajuda a dar sentido à existência, com a nova mentalidade, cosmopolita e individualista, com o ceticismo ou descrença e até a recusa às respostas antigas, com a novidade da ciência a abrir os olhos e as mentes para desvendar o significado do cosmos, seus encantos e beleza. A cultura grega era diferente, porém, fascinante.

A fé entra em crise. Muitos se tornaram incrédulos: “Com falsos argumentos, dizem entre si: Curta e triste é nossa vida. Não há remédio quando o homem chega ao fim e ninguém, pelo que saibamos, voltou do Hades” (2, 1). Outros, influenciados pelas religiões pagãs ou por filosofias hedonistas, mergulhavam-se no prazer afim de gozar a vida: “Desfrutemos as coisas boas do presente e aproveitemos a criação, como na juventude, com ardor. Embriaguemo-nos com os melhores vinhos e perfumes. Não deixemos escapar as primeiras flores da primavera” (2, 6-7). Alguns, contra a Lei, o Direito e a Justiça, escolhiam um comportamento iníquo: “Oprimamos o pobre, mesmo se for justo; não poupemos a viúva nem respeitemos as cãs do ancião” (2, 10).

Com nova roupagem um velho problema se contrapunha à crença na retribuição. Como é que os ímpios e infiéis prosperam enquanto os justos sofrem? Como é que o justo tenha morte prematura e os ímpios vida longa? Como e onde Deus distribui a justiça? Responde com a retribuição futura: “O justo, mesmo que morra prematuramente, conhecerá o repouso. Pois velhice honrada não é questão de longevidade; ela não se mede pelo número de anos” (4, 7-8).

 Embora influenciado pelos conceitos gregos de corpo e alma, não fundamenta a imortalidade a partir da natureza da alma. A imortalidade é vista de modo judaico; é um dom dado pela Sabedoria divina: “As almas dos justos estão nas mãos de Deus, tormento algum os atingirá” (3,1). Em contrapartida, “os ímpios receberão castigo segundo merecem seus projetos, por terem desprezado o justo e abandonado o Senhor” (v. 10). A fé judaica no Deus justo, que ama e premia a justiça, é mantida e explicitada. Assim, permanece a prioridade da ética e do direito.

A Sabedoria divina, que instrui na justiça e conduz à imortalidade, faz de Salomão modelo na busca e na vivência dela: “Eu a amei e a procurei desde minha juventude, busquei desposá-la, apaixonei-me por sua beleza” (8,2); “Dá-me a sabedoria que partilha teu trono… digna-te enviá-la para que se afadigue a meu lado e eu conheça o que te agrada” (9, 4.10).

Enfim, a sabedoria, ao ser personificada e identificada com o Espírito do Senhor, recebe uma vitalidade criativa e dinâmica: “Ela se estende com força de uma extremidade do mundo à outra, e com bondade governa o mundo” (8,1). É reconhecida por quem presta a Deus a honra devida.

O Livro, fiel à tradição judaica, visara a atualizá-la diante de um novo contexto desafiador. Pode motivar os cristãos, em meio ao pluralismo, relativismo e paganismo contemporâneo, a agirem com sabedoria: renovarem-se, mas preservando a própria identidade, na docilidade ao Espírito.

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